O que foi a Revolução Constitucionalista? Entendendo o 9 de julho, data magna de São Paulo

868

Em 9 de julho de 1932, deflagrou-se a revolta armada contra o regime de Getúlio Vargas, que governava o país sem uma Constituição

Neste dia 9 de julho, São Paulo celebra um fato histórico que marcou o destino do Estado e do país: a Revolução Constitucionalista de 1932. Ainda que o levante dos paulistas marque profundamente a memória coletiva, muitos não conhecem as minúcias do processo que levou à eclosão da revolta.

Antecedentes

A Revolução Constitucionalista de 1932 se relaciona diretamente com seus antecedentes políticos imediatos. O Brasil vivia uma enorme agitação em razão da Revolução de 1930, que alçou Getúlio Vargas ao poder.

As medidas de Vargas visavam reduzir a influência das oligarquias regionais sob os estados. Dissolvidos os Legislativos e Executivos locais, nomearam-se interventores federais para cada unidade da federação.

Os interventores, por vezes, se desentendiam com os contextos locais – e justamente desse descontentamento nascem as distensões que levaram à revolta dos paulistas.

Os partidos paulistas

A Revolução de 1930 contou com apoio de setores da política paulista. Em 1926, fundou-se o Partido Democrático (PD), uma agremiação que havia se formado a partir de uma cisão do tradicional Partido Republicano Paulista (PRP). “O Partido Democrático foi de curta duração e representava uma elite burguesa urbana, em contradição às oligarquias do café”, afirma Wesley Santana, professor do Centro de Educação, Filosofia e Teologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Francisco Morato, líder do PD, esperava ser escolhido como interventor de São Paulo. Getúlio Vargas, no entanto, nomeou João Alberto Lins de Barros como interventor. Os paulistas, com o tempo, passaram a se desentender com João Alberto, que acabou demitido em 1931. Outros dois interventores foram nomeados para a gestão do Estado, mas ambos não se entenderam com o PD.

Chega-se, assim, em fevereiro de 1932, com a formação da Frente Única Paulista (FUP), uma coalizão entre PD e PRP. A FUP exigia a constitucionalização do país e uma maior autonomia para São Paulo, com a nomeação de um interventor civil e paulista.

O movimento persiste

Vargas, em resposta, criou uma comissão encarregada de elaborar o anteprojeto de Constituição, marcou eleições constituintes para o ano seguinte, 1933, e designou o paulista e civil Pedro de Toledo para a interventoria de São Paulo. Ainda assim, o movimento da FUP continuou sua articulação. Para Wesley, a FUP seguiu na oposição ao regime getulista em razão do complicado contexto político da época.

“A negociação com Vargas não era fácil. Havia um clima muito tenso no Brasil, pela formação da Aliança Libertadora Nacional, com Prestes, e da Ação Integralista Brasileira, de Plínio Salgado”, destaca o professor. “As forças políticas vinham se organizando e a elite econômica de São Paulo fez o mesmo.”

O 23 de maio

A tensão chegou ao ponto máximo em 23 de maio, quando quatro estudantes de Direito morreram em um confronto entre constitucionalistas e partidários do Governo Federal. Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo, vítimas do conflito, tornaram-se símbolo do movimento contra Getúlio. Surge, com o incidente, o acrônimo MMDC.

A partir de então, além da articulação política, as tropas estaduais passam a se fortalecer por meio de campanhas de incentivo ao alistamento e à arrecadação de fundos. Uma campanha publicitária de sucesso foi a intitulada “Ouro para o Bem de São Paulo”, na qual se incentivava a doação de joias e utensílios de metais preciosos para o financiamento das tropas estaduais.

“O movimento foi forte”, destaca o professor Wesley. “Em meses, o MMDC deixou de ser uma sigla, um estopim, para se tornar uma milícia. Só na cidade de São Paulo, eram 5 mil soldados”. Em 9 de julho, com o acirramento das tensões, estoura a revolta armada.

Problemas estratégicos

Os empecilhos aos paulistas foram de natureza estratégica. As tropas varguistas estavam mais bem preparadas e São Paulo não recebeu os apoios estimados de outros estados da federação. Os paulistas chegaram a resistir por três meses, mas o isolamento levou à rendição em 2 de outubro.

Não antes, claro, de embates intensos nos fronts da guerra, sobretudo no Vale do Paraíba, região de posicionamento estratégico e próxima à fronteira com outros estados – inclusive, do Rio de Janeiro, então capital federal. Há um papel de destaque para o município de Cruzeiro, cidade que recebe, por meio de lei estadual, o título honorário de “Capital Estadual da Revolução Constitucionalista de 1932”.

“O problema da Revolução Constitucionalista não foi dinheiro”, pontua Santana. “Dinheiro sobrou, e os fundos foram destinados para a construção de um prédio no centro de São Paulo e da Santa Casa de Misericórdia”.

Resultados e significados da Revolução

Há interpretações difusas sobre o sentido histórico da Revolução de 1932. Entre historiadores, não há consenso a respeito da interpretação mais apropriada sobre o tema.

Segundo alguns, tratou-se efetivamente de um movimento constitucionalista, de inspiração liberal-democrática; para outros, o levante teria sido uma revanche das oligarquias cafeeiras derrotadas em 1930; há, ainda, quem interprete o conflito pela chave do separatismo paulista.

“Seja como for”, pondera Wesley, o movimento “não foi à toa”. Foi muito importante para os paulistas e para o Brasil. “Os paulistas passaram a ter uma moeda de troca. Tanto que Armando Salles, que veio a ser o próximo interventor, era da elite paulista”.

No ano seguinte, em 1933, houve, de fato, uma eleição para a Assembleia Constituinte e, em 1934, é promulgada uma nova Constituição brasileira. Consideram-se esses os resultados mais relevantes da Revolução de 1932. Seus defensores, assim, reiteram o mote de um movimento “militarmente derrotado, mas política e moralmente vitorioso”.

(FONTE – ALESP (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo – Juliano Galisi, sob supervisão de Cléber Gonçalves | Fotos: Acervo Histórico – Alesp