O povo contra a democracia

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É título de um livro do cientista político norte-americano Yascha Mounk.

Ele traz em si uma quebra de paradigma e vai na contramão do senso comum, pois desde a Grécia antiga se pensa que a democracia é um governo do povo para o povo. Então como o povo estaria contra a democracia? Esta é a provocação.

Bruno Arena – Foto: Reprodução

O livro é de 2018 e procura mapear por que os cidadãos estão perdendo a crença no regime democrático e, por muitas vezes, se manifestando pela troca radical deste regime pelas já conhecidas ditaduras, ou mesmo pelo ultraliberalismo ou pelo anarcocapitalismo no caso da Argentina.

Na base da descrença está, na maior parte das vezes, uma derrocada do sistema econômico, a inflação, o desemprego e a queda do padrão de vida da população. Com lógica básica as pessoas começam a achar mais vantajosa a perda da liberdade democrática em favor de alguma solução antissistema ou até mesmo ditatorial.

As discussões sobre direita e esquerda, neste cenário, não interessam a ninguém que esteja com necessidades prementes.

O sentimento da desesperança com a democracia é um fato, ainda mais quando há um sentimento generalizado de que a classe política vive se locupletando pela corrupção, de imediato surgirá alguém com a fórmula mágica para acabar com a mazela, seja caçando marajás ou com dez medidas.

No fundo, e com o passar do tempo, parece que apenas gostariam de estar no lugar de quem estão combatendo, como muito bem dito em A Revolução dos Bichos.

Não precisamos chegar à visão soberba de Nietzsche sobre a democracia, que dizia que este é um regime dos fracos, pois quem precisa de leis e regulamentos são os incapacitados que não conseguiriam acompanhar as virtudes do super-homem. Mas precisamos constatar que este regime precisa se provar mais eficiente para resolver os problemas apresentados pela vida em sociedade.

Como assim?

Vou dar um exemplo caseiro. Imaginemos uma família com três filhos adolescentes tendo que decidir para onde viajarão no final do ano. Cada um pensará algo diferente acerca de como resolver o problema do descanso familiar e poderão perder horas ou dias tentando convencer uns aos outros sobre qual caminho tomar: indo desde ficar em casa jogando vídeo game, até fazer uma viagem exótica para os parques sul-africanos.

Se é assim na menor célula de convivência social, que é a família, já sabemos a dificuldade a nível de cidade e país.

Seria muito mais fácil se o pai ou a mãe chegassem e falassem que a viagem será para a Serra Gaúcha, sem direito a contraditório. Seria mais eficiente ao custo da liberdade dos filhos de poderem opinar sobre seus destinos.

É verdade que a busca por consensos através de diálogo político é difícil e leva tempo e quanto mais a classe política e as instituições treinam, mais o processo se aprimora.

A democracia brasileira é incipiente e vive seu maior lapso, 35 anos, e novamente passamos pelo risco e por um espasmo de novo golpe de Estado em 08 de janeiro.

No final da década de 90 houve um movimento para a gerencialização da administração pública e foi feita uma emenda à Constituição Federal que alterou seu artigo 37, colocando o princípio da eficiência como um quinto princípio para a atuação da gestão pública.

Funcionou? Receio que não, e um dos motivos é que a lógica da gestão da coisa pública não é gerencial e sim, como já dito, com base em consensos. O patrão manda, o gestor público busca alianças.

Então não há esperanças para o sistema democrático e deve ser abandonado em favor de outro sistema diametralmente oposto?Não seria o caso.

Penso que na base do problema está a decisão política alheia ao bem comum e à finalidade pública, que privilegia os próprios interesses e os dos amigos, pagando mais por serviços piores e sem poder exigir a boa qualidade do serviço prestado.

O que falta nessas soluções que vêm de cima pra baixo e carregada de interesses escusos? A democracia, o diálogo e a transparência.

O que podemos fazer contra a concentração de poder e as soluções top-down? Politizar a sociedade para que possa acompanhar as atividades da classe política, exigindo-se transparência na gerência daquilo que é de todos: o voto não dá carta branca para o autoritarismo. Isso é cidadania.

O que dará mais feijões? Cada pessoa de um grupo pegar 1 feijão e plantar, ou todos os depositarem na mão de um único membro, confiando na sua destreza e discernimento do que fará com todos os feijões? Politizemos-nos.

Bruno Arena: Mestre em Direito Penal e Humanos pela Universidade de Salamanca (Espanha). Especialista em direito penal e direito eleitoral. Presidente do Rotary Club Votuporanga 2022/23. Vice-Presidente da ACILBRAS. Membro do Observatório da Democracia. Proprietário do Cine Votuporanga. Autor e tradutor de livros. Advogado. Instagram @adv.brunoarena.