“Não sabíamos nada sobre isso!”. O papel da imprensa

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Como um bom germanófilo, estudei a língua alemã por vários anos e posso dizer que, das atividades que tive em minha vida, o estudo deste idioma foi uma das mais árduas e por conta desta tarefa, visitei aquele país algumas vezes.

Pelo senso comum, o povo alemão é organizado, trabalhador, frio e muito planejado. E algo que foge ao senso comum é a notável preocupação que têm com sua história recente, porque entendem que assim se diminui a possibilidade de ocorrência de algo como o nazismo.

Bruno Arena – Foto: Reprodução

Nas viagens que fiz à Alemanha, vi alunos alemães já em tenra idade visitando museus do Holocausto a céu aberto e a céu fechado, lugares onde eram feitos os desfiles das tropas nazistas, principalmente na cidade de Nuremberg, campos de concentração e até mesmo o Bunker em que Hitler se matou, que ainda está preservado em Berlim.

Como pequeno parêntese, o termo “nazismo” também tem dividido a esquerda e a direita no Brasil, tendo sido banalizado seu uso ao se rotular a vertente política da direita reacionária ou extrema direita como nazista. Talvez não haja impropriedade histórica maior, uma vez que o nazismo é um fascismo a que se acrescenta o racismo, com consequente genocídio sistemático de determinado povo.

Utilizar-se de palavras fortes como estas para rotular vertentes políticas é um desrespeito histórico com os 6 milhões só de judeus, e outros milhares de outras minorias, que foram mortos a partir de 1933 por não serem arianos.

Fecha parênteses. Um dos maiores especialistas sobre a história do holocausto é o historiador e biógrafo Peter Longerich, que respondeu em um de seus livros algo que sempre me intrigou: como que em um país desenvolvido como a Alemanha, com tantos cientistas, prêmios Nobel, artistas, músicos, foi possível a ocorrência do início da II Guerra Mundial e a conivência de seu povo com a morte de milhões de pessoas em campos de concentração?

E ele procurou responder pelo livro que é o título da coluna de hoje: “Davon haben wir nichts gewusst! Die Deutchen und die Judenverfolgung 1933-1945”.

Após quase 500 páginas, Longerich chega a algumas conclusões, dentre as quais a de que era impossível que se criasse uma contra-narrativa perante a propaganda massiva e, principalmente, o controle dos meios de comunicação, que só publicavam o que o Estado e o governo queriam.

Neste ponto desaguamos no segundo tema de nossa coluna, que também divide a direita e a esquerda brasileiras: o papel da imprensa e sua regulação/censura; os que defendem a liberdade são “de direita” e os que querem sua regulação, são “de esquerda”.

Para além disso, algo que é de fácil constatação é que nós cidadãos não temos condições de estar no local onde a notícia está acontecendo e se quisermos nos informar sobre o mundo, dependemos dos meios de comunicação, que têm esse papel.

O governante “esperto” então poderia assim pensar: “então basta que eu controle os meios de comunicação para que possam dizer apenas o que eu quero, criando uma verdade inexistente”, e o controle precisa ser pela força violenta, basta a força econômica, por meio de “investimentos” massivos em meios de comunicação parceiros que tragam a narrativa mais vantajosa.

Diante desta possibilidade, nossa Constituição Federal do pós-ditadura militar estabeleceu em seu artigo 220 algumas liberdades e direitos, tais como a de não sofrer embaraços à liberdade de informação, a vedação à censura e o direito a que os meios de comunicação não estejam sujeitos a monopólio ou oligopólio. O mais incoerente é que a Lei de imprensa que vigia no Brasil datava de 1967, feita pela Ditadura Militar!

Vejam como o bloqueio, ou pior, o monopólio da informação gera “um mundo cor de rosa da Barbie”: George Orwell, escritor de “A Revolução dos Bichos” e “1984”, também era jornalista e após a II Guerra Mundial foi pessoalmente ao interior da Alemanha. Ele relata em seu “Literatura e Política” que os camponeses mal sabiam da existência da guerra, muito menos do holocausto.

Trazendo do macro e histórico para o micro e presente, há independência dos meios de comunicação votuporanguenses? É fácil de se aferir pelas seguintes perguntas: quem são os proprietários? Recebem quantidade significativa de verbas públicas? Têm visão crítica da realidade ou só divulgam boas notícias? Só dão plataforma aos mesmos políticos? Pessoalizam a informação na figura do prefeito e do deputado, ou relatam fatos?

A partir desses critérios, gostaria de parabenizar os jornais Diário de Votuporanga e o Jornal da Zona Norte pela transparência e independência de sua atuação em nossa cidade, que se isentam de fazer número ao que Göbbels, ministro da propaganda de Hitler, dizia: “uma mentira dita mil vezes torna-se verdade”.

Bruno Arena: Mestre em Direito Penal e Humanos pela Universidade de Salamanca (Espanha). Especialista em direito penal e direito eleitoral. Presidente do Rotary Club Votuporanga 2022/23. Vice-Presidente da ACILBRAS. Membro do Observatório da Democracia. Proprietário do Cine Votuporanga. Autor e tradutor de livros. Advogado. Instagram @adv.brunoarena.