Mania de Criança

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(Foto Acervo/Diário de Votuporanga)

Por Antoninho Rapassi

Tenho uma mania que adquiri na infância e dela nunca me desgrudei: olhar para o céu e acompanhar os movimentos do avião. Seja dia ou noite, sob quaisquer condições atmosféricas e estando com quem estiver, ainda hoje deixo tudo de lado e volto a ser a criança que se afasta e através do som vou à procura do aparelho que foge rápido. Lembro-me daquela criança que, nas tardes votuporanguenses dos anos cinquenta do século passado, onde reinava o silêncio e a modorra começando pelas quatro da tarde, o aviãozinho do Vicente Lupo rompia e se deslocava roncando sobre o perímetro urbano até ao pôr do sol, naqueles teimosos e repetitivos sobrevoos vesperais.

E eu lá, visualizando as idas e vindas monótonas do nosso herói alado. Até que um dia ele e o seu PP-RXB caíram, ou melhor, o exímio piloto Vicente Lupo conseguiu superar “a pane” e pousar o seu “Paulistinha” sobre o caramanchão de primaveras vermelhas que existia bem à frente do prédio de dois pavimentos, onde funcionava a Prefeitura Municipal. Isto aconteceu no significativo e emblemático dia 11 de Setembro de 1953, pouco antes das cinco e meia da tarde.

A saudosa professora Sarah Arnold Barbosa residia à Rua Padre Paranhos, bem nas proximidades do inusitado e pioneiro acidente aéreo. Num espaço semelhante a uma garagem ela ministrava aulas preparatórias para o ingresso no curso ginasial a um grupo de alunos não muito chegados aos estudos do grupo escolar. E eu, um destes traquinas, estava frequentando estas aulas quando ouvimos um barulho estranho e de proporções que nos instigaram. Liberados imediatamente pela mestra, chegamos esbaforidos ao local e diante de um homem franzino, com ares naturais de quem acabara de protagonizar um acontecimento inédito, de tipo cinematográfico e que, naquele momento era o centro das atenções e do carinho. Muitas pessoas falavam e algumas, pensativas, ouviam boquiabertas. Quando a aglomeração se desfez, todos foram embora levando consigo a certeza de que tiveram o privilégio de conhecer um herói. Um herói e galã em carne e osso, mais osso que carne, e era nosso querido conterrâneo.

Voltando à mania que adquiri na infância, muitas vezes me sinto um bípede simplório que não se cansa de deslumbrar com estes pássaros aéreos que se agigantam cada vez mais. Quem tem certidão de nascimento emitida por tabelião juramentado, há oitenta anos, pode com segurança dizer que é uma testemunha da incrível evolução pela qual passou o mundo, neste período. “São tantas as emoções”, como diz aquele refrão do Roberto Carlos.

Dias destes, conversando com uma das minhas filhas, eu historiei a minha vivência e sofrimento no que tange ao ramo da odontologia. Ela (a minha filha) ficou literalmente de boca aberta ao saber de tudo o que lhe contei. Por exemplo: a primeira vez que sentei na cadeira de dentista, este era um “prático”, que exercia legalmente a mesma profissão do Tiradentes que é um dos maiores nomes da história do Brasil. Na Votuporanga daqueles tempos ainda não havia dentistas formados em faculdades.  Os pioneiros dentistas formados que se estabeleceram nas “brisas suaves” foram o Dr. Luiz Micelli, vindo de Araraquara e o Dr. Amador Eugênio Dias vindo da mineira cidade de Alfenas. E olha que os dentistas ““práticos” tinham clientela numerosa e viviam no mais alto conceito da sociedade, em razão da proficiência de como executavam seus trabalhos.

O testemunho de louvor ao meu primeiro dentista “prático” vai para o Sr. Waldemar Pizarro. A broca, com a qual ele tratava a minha cárie dentária, era a poder de umas pedaladas sincronizadas que me davam sensações iguais àqueles que, sem serem astronautas vêm estrelas… e choram. No entanto, vivia-se a odontologia do possível e com a certeza de que o trabalho era sempre bem executado. A primeira boa notícia na sequência, foi a chegada do “Rotor” um motorzinho elétrico que aspergia água enquanto, à jato a broca ia demolindo as partes danificadas do dente, talvez seguindo o princípio do morcego que “morde e assopra”, para suavizar a dor.

O céu ficou triste na recente época da pandemia do coronavírus, apesar de estar muitas vezes como um céu de brigadeiro, onde nele os urubus e as andorinhas fazem evoluções desfrutando da imensidão do nosso telhado azul. Os aviões desapareceram totalmente e isto me deixou triste. Resido em área que faz parte, e era densamente utilizada como rota dos aviões que se serviam do Aeroporto de Viracopos. Na longa e traumática fase pandêmica, dia e noite reinava o silêncio, quebrado somente pelos latidos teimosos de um cão notívago e apaixonado.

Certa tarde, ouvi estremecer o silêncio compulsório que reinava e o estrondo se originava das quatro turbinas do gigantesco Air Bus – A 380, manobrando para pouso em Campinas. Por estar no quintal pude observar a silhueta imponente da portentosa aeronave e os meus olhos acompanharam a indecifrável máquina inventada pelo homem, este mesmo homem que nunca se conformou só em viver com os seus pés no chão.

Leonardo da Vince, o genial artista italiano do período Renascentista destacou-se como Cientista, Matemático, Engenheiro, Inventor, Anatomista, Pintor, Escultor, Arquiteto, Botânico, Poeta e Músico.
Ele escreveu esta frase lapidar:
“Uma vez que você tenha experimentado voar, você andará pela terra com seus olhos voltados para o céu, pois lá você esteve e para lá você desejará voltar.”

  • Crônica publicada neste Diário em 12 de Maio de 2022.