Prezados amigos e leitores.
O tema que aqui se apresenta se afigura como de suma relevância ao leitor, ao cidadão, eis que, afora a importância, de per si, que lhe é inerente, ainda faz emergir dúvidas, perplexidades, polêmicas e, sobretudo, muitas discussões, nos seios social, econômico e, principalmente, no jurídico.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, dúvidas não há da tutela, pelo ordenamento jurídico brasileiro, das lesões que atingem, mais especificamente, os direitos da personalidade humana. Dúvidas não há, pois, da existência e tutela, dos danos de ordem moral.
Dúvidas igualmente não há de que, em um dado processo judicial, a depender da situação apresentada ao descortino, é perfeitamente possível que o cidadão, lesado em diversas esferas ou partes de seu ser, possa cumular os pleitos de reparação por dano moral, material e até estético, face ao ofensor, àquele que agiu em ilícito ou, no caso de relação de consumo, com defeito no fornecimento de produtos ou prestação de serviços.
Poder-se-ia discorrer, ainda, com mais profundidade, sobre a questão das Perdas e Danos (que está ínsita no tópico de Danos Materiais), também, sobre os danos estéticos e, até com ainda mais profundidade e detalhismo, sobre a chamada “perda da chance”.
No entanto, em atendimento ao escopo deste artigo, cingir-se-á aos danos morais, mais especificamente, sobre uma discussão a ele relacionada, que há muito vem despertando calorosos debates.
O Dano Moral nada mais é, em suma, do que a lesão aos direitos da personalidade de alguém, a violação à dignidade da pessoa humana, que, por consequência, acaba por provocar, dor, desassossego, inquietação, desequilíbrio nas esferas anímica, emocional e psíquica.
O mero dissabor cotidiano, ou o corriqueiro aborrecimento, inerente à vida social, ou ainda, o simples descumprimento contratual, não são aptos para configurar dano moral a outrem.
Dano moral, portanto, é a lesão séria, ultrajadora dos direitos da personalidade de uma pessoa, provocado por um ato ilícito de alguém, ou pelos defeitos ocorridos em dada relação consumeirista.
Em um processo judicial, primeiro o juiz deve analisar a ocorrência de Dano Moral: deve analisar se há, de fato, lesão a direito da personalidade, a guardar nexo de causalidade/interligação com ato ilícito de outrem ou com o serviço consumeirista defeituoso.
Lembrando, que há casos em que os danos morais são presumidos, tais como nos casos de inscrição indevida do nome da pessoa em cadastros de inadimplentes, atraso de voo, dentre outros. Nesses casos e outros, os danos morais são presumidos, dispensando-se prova do abalo moral.
Após essa fase, o Magistrado passa à difícil tarefa de fixar o quantum indenizatório.
Diria eu que, nessa árdua missão, nessas duas fases, para que haja com razoabilidade e proporcionalidade, o Magistrado deve se pôr a igual distância do homem extremamente frio e daquele de exacerbada sensibilidade.
Pois bem.
Uma vez feita essa sucinta explanação sobre o tema, fato é que, desde há um bom tempo, uma enxurrada de ações têm assolado o Judiciário, no que diz respeito a pleitos de indenização por dano moral, principalmente, nas relações de consumo, que aqui é nosso escopo.
Essa crescente judicialização do tema, fez surgir a expressão, a meu modo de ver, perigosa e que mostra desconhecimento, de “indústria do dano moral”.
Embora haja, excepcionalmente, alguns consumidores mal intencionados e que deturpam tal instituto, fato é que, devemos refutar essa infeliz expressão de “Indústria do dano moral”, nas relações de consumo, em especial.
O que ocorre, a bem da verdade, é, isso sim, um verdadeira, reiterada e sistemática “Indústria de descumprimento das obrigações”, por parte dos fornecedores de produtos e serviços.
Em decorrência, exclusivamente, de tais descumprimentos e violações às leis consumeiristas, aliado à dificuldade de se solucionar os problemas na via administrativa (pois, ou as instituições não funcionam ou o consumidor leva chá de espera, muitas vezes sem êxito, quando tenta resolver diretamente com o fornecedor), o judiciário tem se abarrotado em questões tais.
Ou seja: os excessivos processos, relacionados às questões tais, são provocados pelos fornecedores, e não pelos consumidores. Portanto, melhor que se mude, urgentemente, a expressão “indústria do dano moral” para “indústria do inadimplemento e desrespeito dos fornecedores” !
Como resolver esse problema? É simples!
O Judiciário precisa fixar quantuns razoáveis, decentes, condizentes à gravidade do fato apresentado, e que REALMENTE SIRVA, para a um só turno, compensar minimamente o consumidor e desestimular o fornecedor de agir no ilícito em casos futuros e similares.
O Judiciário não pode ser “sócio” dos grandes fornecedores!
Explica-se: que estímulo para deixar de agir no ilícito, por exemplo, tem uma grande empresa de telefonia, ou bancária, que indevidamente negativou o nome do consumidor, ou outra severa ofensa lhe causou, se for condenada a indenizar em 3 mil, 5 mil reais??? E, outro questionamento: valores um pouco acima disso enriquece alguém? Isso seria enriquecimento ilícito?
Obviamente, nenhum estímulo tem havido, para as grandes empresas deixarem de agir na ilegalidade!
Tudo é questão de cálculo, chamado “Jurimetria”.
As grandes empresas, infelizmente, têm encontrado no Judiciário um “sócio”, eis que, dificilmente sofrem alguma consequência de reparar os danos causados ,e, quando sofrem, o é em valor irrisório, que faz, para a grande empresa, para o poderoso empresário, COMPENSAR continuar agindo no ilícito: o que ele paga de indenização é muito menor do que os ganhos financeiros que aufere agindo na ilegalidade!
Por isso, disse acima, o Judiciário não pode ser “sócio” das grandes empresas do mercado consumeirista, em especial, os grandes bancos, as empresas de telefonia e outros.
Somente quando se mudar essa visão patriarcal e retrógrada, quando se acabar com o medo de o pobre consumidor ser ressarcido, é que evoluir-se-á e suavizar-se-á a máquina!
É preciso aplicar os fins precípuos, do instituto dano moral, para que esse atinja os fins a que se destina. Frise-se, não se está falando de enriquecimento ilícito ou algo do tipo, mas, sim, que haja, realmente, razoabilidade, aplicando-se corretamente os institutos da responsabilidade civil e do dano moral, especial e especificamente nas relações de consumo.
Mister, ainda, que cessemos aquele mantra de que: “o que acontece comigo é dano moral”; o que acontece com o próximo é “Mero dissabor”.
Convido todos os atores da justiça a refletir sobre o tema!
Só assim, a máquina judiciária será suavizada! Só assim, o sentimento de justiça e de paz social poderá voltar a reinar, nessa sociedade quase totalmente destruída por tudo e por todos, e com tamanha inversão de valores!
Nilson Caligiuri Filho – advogado especialista em direito do consumidor