Hamas é de esquerda? A ordem internacional

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E em alguns casos mais agudos, vindo até mesmo de autoridades públicas atuantes no município – o que é preocupante mais ainda –, que o Hamas seria do Partido dos Trabalhadores!

Se a política local já é de difícil análise conjuntural, em maior grau o é a política internacional, e se, como já venho dizendo nestas colunas, a análise binária entre direita e esquerda é muito pobre para acolher todas as variáveis e vertentes no primeiro caso, paupérrima o será para o segundo.

Bruno Arena – Foto: Reprodução

Apesar da maioria achar que a Organização das Nações Unidas (ONU) representa algo como um governo mundial, que emanaria normas jurídicas impositivas e que teria tribunais e exércitos para fazer cumpri-las, esta visão está incorreta.

O normal é que leis sejam deliberadas no Parlamento, sancionadas pelo Poder Executivo e julgadas pelo Poder Judiciário de um país, e em caso de não cumprimento, o Estado legitimamente pode usar de sua força para fazê-las cumprir através da polícia e das forças armadas.

A ONU não é, comparativamente, um Estado (país) de nível mundial, o que não existe e está longe de existir, ainda mais com todos os conflitos religiosos e entre culturas que ainda estamos vendo.

O certo é que a cidadania direta de nível global também não existe, estando ainda mediada pelos Estados, que são os agentes principais na esfera internacional.

Há autores que comparam a ordem internacional ao estado de natureza hobbesiano, representado pela conhecida frase “o homem é lobo do próprio homem”, que legitima a soberania e o poder do Estado pelo fato de que, em anarquia, todos nos mataríamos, por isso abrimos mão de parcela de nossa liberdade e a atribuímos ao soberano, que nos controlará e terá poder sobre nós.

É similar ao que ocorre a nível internacional: entre os países não há um poder soberano – um Estado Mundial – que imponha legitimamente seu poder sobre seus membros. A ONU é meramente uma Organização Internacional diplomática sem poder coercitivo para tratados e convenções.

A inexistência deste poder soberano acima dos Estados faz com que todos os países, em teoria, tenham a mesma relevância na esfera internacional, e a falta de uma lei vigente mundialmente faz com que a diplomacia e o poder econômico tenham vozes fortes: por isso há embargos econômicos e um país só se torna país se houver um reconhecimento dos demais membros da ordem internacional – a Palestina ainda não tem este reconhecimento, por isso não é considerada um Estado.

Por certo, os leitores estão pensando assim: “Mas os Estados Unidos, Rússia, China e Europa mandam no mundo e fazem as guerras que querem sem sanção, como não há este poder mundial”?

A constatação não deixa de ser verdadeira, porque a ordem internacional vigente hoje é direcionada pelos países vencedores da II Guerra Mundial, por conta disso países como Estados Unidos, Rússia, China, França Reino Unido têm poder de veto no Conselho de Segurança da ONU.

O modelo que encontrei e que melhor explica as forças internacionais na construção normativa mais fluida (soft law), é um modelo gráfico em forma de pentágono, cujos vértices seriam: (i) organização internacional; (ii) redes intergovernamentais; (iii) setor privado; (iv) sociedade civil e (v) Estados. Estados fortes como os Estados Unidos têm a capacidade de desequilibrar este arranjo, mas ainda assim devem obedecê-lo.

Também o pós-II Guerra Mundial trouxe a necessidade de compensação histórica à tragédia genocida sofrida pelos judeus, concedendo a eles, em 1948, a terra prometida através do Estado de Israel no seio de uma população árabe. Um barril de pólvora terrorista anunciado.

O estudo do terrorismo não é comum no Brasil, mas o é na Europa e em 2018 minha orientadora do mestrado, Nieves Sanz, escreveu um artigo para o livro “El terrorismo en la actualidad: un nuevo enfoque político criminal”, intitulado “Las sociedades paralelas como cantera al yihadismo”, em que ela trata, basicamente, que a exclusão preconceituosa do diferente, muitas vezes em guetos, gera radicalização e possibilidade da jihad.

A exclusão e a fobia são ineficazes e estão cobrando seus preços no mundo todo, contra um inimigo etéreo e que pode se explodir em qualquer lugar e a qualquer momento: Bin Laden ganhou a guerra ao fazer os Estados Unidos gastarem cerca de 4 trilhões de dólares só no combate a ele e ainda existir o terrorismo no mundo. O Hamas está fazendo o mesmo com Israel.

Apesar do 08/01 ser classificado como ato terrorista por convenções internacionais, a Lei penal brasileira 13.260/2016 não o considera como tal, por não incluir a motivação política no dolo. Porém, estamos arriscados a ter que tratar desta mazela se continuarmos dentro de “guetos virtuais” alimentando e inflando nossa própria bolha com radicalismos e fake News. Escolhamos empregar nosso tempo menos com destruição e mais com construção. Ouçamos a Professora Nieves.

Bruno Arena: Mestre em Direito Penal e Humanos pela Universidade de Salamanca (Espanha). Especialista em direito penal e direito eleitoral. Presidente do Rotary Club Votuporanga 2022/23. Vice-Presidente da ACILBRAS. Membro do Observatório da Democracia. Proprietário do Cine Votuporanga.  Autor e tradutor de livros. Advogado. Instagram @adv.brunoarena.