Gritos do mundo, ecos na escola… 

31
Alberto Martins Cesário, professor e escritor - Foto: Reprodução

Por Alberto Martins Cesário, professor e escritor 

@alberto.prof 

Estamos em férias de julho, aquele período mágico em que tanto alunos quanto professores respiram um pouco aliviados. Para alguns, é uma pausa merecida após meses de intenso trabalho, desafios diários, prazos apertados e, claro, uma quantidade interminável de correções de provas. Mas, ao mesmo tempo, férias para os educadores muitas vezes são uma oportunidade para refletir sobre o que vivemos dentro das salas de aula, sobre o que foi, o que está sendo e o que virá. Afinal, os professores, por mais que a sociedade às vezes os veja como figuras quase invisíveis ou só “transmissores de conhecimento”, são, na verdade, escutadores, acolhedores, mediadores de conflitos e, em muitos casos, até psicólogos não licenciados. 

A sala de aula é um lugar onde a realidade externa entra de forma inevitável. O mundo grita do lado de fora, e a escola precisa escutar. Com seus muros e portas, sua estrutura física nem sempre preparada para lidar com a complexidade das emoções e vivências dos estudantes, a escola acaba sendo um ponto de encontro de muitos gritos: gritos de ansiedade, de frustração, de insegurança, de violência, mas também gritos de esperança, de desejo de mudança, de novos sonhos. E a pergunta é: como acolher tudo isso? 

Quem de nós, educadores, não percebeu que o cenário das últimas décadas tem se tornado mais turbulento? O mundo está gritando e isso indica que ele precisa de socorro! 

 Vivemos em uma era de informações rápidas, crises políticas e econômicas constantes, mudanças culturais intensas e, por consequência, uma juventude em constante transformação. O que chega até a escola não é apenas o aluno que traz consigo um caderno, uma mochila e o material escolar. O que chega são seus medos, suas angústias, suas dúvidas, sua relação com a família e, muitas vezes, com a própria sociedade. 

Não é de hoje que a sala de aula se transforma em um microcosmo do que acontece fora dela. Os gritos sociais se manifestam nas expressões de violência, nas dificuldades de aprendizagem, nas novas formas de bullying, nas questões de identidade, nas relações familiares desestruturadas, nas crises existenciais e na revolta contra um sistema que muitas vezes parece distante da realidade de muitos jovens e crianças. 

Hoje, é impossível pensar que o aluno de 2025 tem as mesmas demandas de um aluno de 1990. As questões de saúde mental, por exemplo, têm se tornado cada vez mais evidentes. O índice de ansiedade e depressão entre jovens tem batido recordes e isso, naturalmente, se reflete dentro das escolas. Como, então, lidar com isso de uma forma que seja acolhedora e, ao mesmo tempo, efetiva? 

Neste contexto observo que cada vez mais a escola vem se tornando um  espaço de acolhimento, acabou se tornando um dos poucos espaços, ainda, onde as crianças e os adolescentes podem contar com alguém que escute verdadeiramente suas preocupações. No entanto, é importante entender que essa escuta não é apenas ouvir palavras, mas, principalmente, entender o que está por trás delas. O aluno pode dizer que está bem, mas o tom da sua voz, o seu comportamento ou até o seu silêncio podem revelar um turbilhão de emoções que nem ele mesmo consegue identificar. 

A verdadeira escuta é aquela que vai além do discurso superficial e entra nas camadas mais profundas da experiência humana. Isso exige do professor não apenas conhecimento pedagógico, mas também uma enorme carga de empatia. É necessário ser capaz de perceber os sinais, compreender as falas não ditas e, claro, agir de forma sensível e acolhedora. 

No entanto, a capacidade de acolher o que chega de fora também exige uma estrutura por parte da escola. Um espaço seguro e adequado, tanto físico quanto emocionalmente, é fundamental para que a educação aconteça de forma eficaz. E aqui surge um grande desafio: as escolas, especialmente as públicas, muitas vezes estão longe de serem esse ambiente ideal. 

A falta de recursos, a infraestrutura precária, o excesso de alunos por sala e a falta de formação continuada para os educadores criam um cenário difícil de administrar. Não são poucos os relatos de professores sobre a sobrecarga de responsabilidades, desde a gestão da sala de aula até a necessidade de suprir as carências emocionais e psicológicas dos estudantes. A escola, muitas vezes, é mais do que um espaço de aprendizado acadêmico, ela acaba se tornando um refúgio para aqueles que não têm outro lugar onde se sentir seguros. 

E a figura do professor acaba se tranformando. Não basta ser um transmissor de conteúdo, mas um mediador entre o aluno e o mundo equilibrando instrução e escuta. É preciso ser mais que um especialista na matéria que leciona, é necessário ser capaz de perceber os sinais do aluno e, se possível, ajudá-lo a processá-los. O professor, em muitos casos, precisa desempenhar o papel de terapeuta, conselheiro e até “guia de vida”, tudo isso enquanto ainda precisa dar conta da sua própria vida pessoal e profissional. 

Falar de acolhimento, portanto, envolve muito mais do que simplesmente “dar um ombro amigo”. Envolve ter uma escuta ativa, saber identificar as necessidades de cada aluno e, a partir disso, direcionar as ações de forma a criar um ambiente seguro de aprendizagem. Isso pode significar, por exemplo, adaptar metodologias para diferentes tipos de necessidades, promover atividades que fortaleçam a autoestima dos estudantes, e até implementar programas de apoio psicológico que ajudem os alunos a lidarem com questões emocionais mais profundas. 

Além disso, é fundamental que a escola ofereça aos professores um espaço de acolhimento também. Como lidar com a carga emocional de escutar histórias de dor, violência e abandono todos os dias, enquanto você também precisa dar conta da sua própria vida e das suas próprias emoções? Essa é uma realidade difícil, mas fundamental. O cuidado com o professor é uma peça chave nesse processo de acolhimento. Afinal, como poderíamos pedir que alguém cuide de outra pessoa sem ser cuidado antes? 

O mundo está gritando e a escola tenta responder ao que chega do lado de fora com acolhimento, compreensão e ação. Contudo, a resposta da escola também não pode ser ingênua. A escola não deve ser vista como um espaço isolado, um santuário onde tudo se resolve por magia. A educação precisa ser entendida como um processo coletivo, que envolve os alunos, os professores, as famílias e a comunidade em geral. 

A pandemia de Covid-19 foi um exemplo claro de como o mundo exterior pode impactar diretamente as condições da escola. Muitos alunos chegaram ao retorno presencial com profundas dificuldades emocionais, físicas e cognitivas. A tarefa do educador foi, muitas vezes, a de um “gerente de crises”, ajudando não só na recuperação do aprendizado acadêmico, mas também no apoio emocional e psicológico dos estudantes. 

A realidade é dura, sim. O cenário para os educadores em muitos lugares ainda é precário. As políticas públicas para a educação, em grande parte, continuam a ser insuficientes e a remuneração dos professores ainda está longe de refletir a importância do trabalho que realizam. Mas, por outro lado, a escola segue sendo um farol de esperança para aqueles que buscam um futuro melhor. 

No final, é preciso reconhecer que a escola tem uma capacidade quase mágica de transformar realidades. Mesmo com todas as dificuldades, ela continua sendo um espaço onde a transformação é possível, onde muitas vezes o impossível pode se tornar realidade. É na sala de aula que um aluno pode descobrir que é capaz de muito mais do que imaginava. É ali que ele encontra, muitas vezes, uma esperança que não encontrou em nenhum outro lugar. A escola é o lugar que mostra que a esperança vem de dentro. E isso caros leitores o que torna o trabalho do professor, apesar de tudo, tão grandioso. Por mais que o mundo grite lá fora, a escola ainda tem o poder de ouvir, acolher e transformar. Por isso, o que nos move, enquanto educadores, é justamente a capacidade de transformar esses gritos em histórias de superação, de crescimento e, principalmente, de aprendizado. 

Se a escola escuta o grito do mundo, ela também tem o poder de ressoar com ele de forma positiva. Ela não é apenas um reflexo do que acontece fora, mas um espaço de mudança, onde os alunos podem não apenas aprender, mas também se reencontrar e se reconstituir. E, no final das contas, isso é o que realmente importa: fazer com que a educação, de fato, transforme. Para que, no futuro, sejamos todos gratos por termos dedicado nossos dias a algo tão essencial.