Escolas municipais cívico-militares

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Na última terça-feira, 21 de maio, passou pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP) o projeto de lei do Governador Tarcísio que permite implantação de escola cívico-militares nas escolas públicas estaduais e municipais.

A votação foi de 54 favoráveis a 21 contrários. Os votos contrários foram dos partidos de centro-esquerda que, estereotipadamente, já seriam os mais ligados a uma educação libertária: PT, PSOL e PSB – neste houve uma dissidência do Deputado Valdomiro Lopes que votou com os partidos da base de Tarcísio.

O deputado local, Carlos Pignatari (PSDB), votou a favor do projeto.

A votação foi expressiva? As escolas cívico-militares, com núcleo militar de PMs aposentados dividindo espaço com um núcleo pedagógico, seriam melhores em que?

Há uma explicação prática e algumas possíveis explicações ideológicas.

Pragmaticamente sobre a votação, o governo está liberando uma quantidade expressiva de emendas para parlamentares que votam a seu favor – cinco vezes mais. Por exemplo, um deputado tem direito a cerca de 10 milhões em emendas do orçamento, já os que votam com o governo, 50 milhões por ano, em média.

Além disso, é a segunda votação polêmica em que a oposição política é agredida na Alesp e isso é um absurdo. A primeira foi a da privatização da Sabesp.

Nesta última, os estudantes tentaram invadir a área restrita dos deputados e foram coibidos; não houve depredação ou qualquer estrago ao patrimônio público. Quando foram encaminhados para fora do plenário, a polícia usou cassetetes nos manifestantes.

Será que é assim que o núcleo militar agirá dentro das escolas?

E aí aparece uma grande incoerência de Tarcísio: ao mesmo tempo que sobe no palanque com Jair Bolsonaro no dia 25 de fevereiro de 2024 para pedir anistia aos depredadores e golpistas do 08 de janeiro de 2023, que destruíram as sedes dos três poderes, coíbe violentamente aqueles que adentraram a área dos deputados para se manifestarem, mas que nem estragaram nada, segundo própria nota da ALESP.

A democracia é um sistema que preza pela convivência entre as diferenças a partir de um mínimo civilizatório, e se difere de uma ditadura da maioria pelo fato de ter que obedecer a direitos fundamentais para o caso da turba querer eliminar a minoria.

Ideologicamente, talvez tantos deputados tenham votado a favor porque não conhecem uma escola militar por dentro. Eu conheço.

Estudei parte do ensino médio na EPCAR – Escola Preparatória de Cadetes do Ar –, localizada em Barbacena/MG, que serve para preparar os cadetes que vão fazer a formação de oficiais da aeronáutica em Pirassununga/SP, e nesta permaneci dois anos e meio. Depois disso saí da vida militar e segui para a formação de engenheiro na USP.

Antes de ingressar, algumas pessoas me diziam: “lá é onde o filho chora e a mãe não vê”. Realmente é. O regime era de internato. Nos primeiros dias ficamos em pé cerca de 16 horas em tropa, mexendo muito pouco. Seguiram os 40 dias de adaptação onde se dorme cerca de 3 horas por noite, corre-se o tempo todo, acorda-se de madrugada para correr na chuva e para carregar toras de madeira e se enfrenta muita injustiça, pois a voz do subordinado não pode argumentar. Não há diálogo, apenas ordens. O bullying é agressivo e os diferentes são tolhidos e até agredidos algumas vezes.

O próprio ex-presidente foi expurgado do militarismo por indisciplina.

Os alunos das escolas militares têm bom desempenho nas disciplinas? Sim, e há um bom motivo para isso: os alunos que lá ingressam são selecionados por meio de provas difíceis e isso, por si só, selecionará os que já têm mais oportunidades sociais para se prepararem.

Já as escolas públicas comuns devem servir a todas as pessoas e, por conta disso, devem ser mais plurais e abertas à diversidade, o que é incompatível com a militarização, que é uniformizante.

Em tese, o projeto admite que até mesmo creches sejam cívico-militares.

Apesar do projeto ter sido aprovado na Alesp, há grande chance da lei ser considerada inconstitucional pelo STF por não obedecer a Lei de Diretrizes e Bases da educação (LDB). Projeto similar foi feito no Paraná e a Advocacia Geral da União (AGU) o considerou inconstitucional.

As escolas cívico-militares com certeza forma máquinas melhores para responder a provas de matemática e português, que são utilizadas para avaliações das escolas. Mas estamos precisando de mais gente “inteligente” ou mais de pessoas eticamente boas, tolerantes e morais?

*Bruno Arena: Mestre em Direito Penal e Humanos pela Universidade de Salamanca (Espanha). Presidente do Rotary Club Votuporanga 2022/23. Vice-Presidente da ACILBRAS. Proprietário do Cine Votuporanga.  Autor e tradutor de livros. Advogado. Político. Instagram @adv.brunoarena.