Entre linhas e lições, com empatia também se ensina 

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Alberto Martins Cesário, professor e escritor - Foto: Reprodução

Por Alberto Martins Cesário

(Professor, escritor, colaborador semanal deste jornal e sobrevivente da sala de aula brasileira)

Outro dia, em uma dessas segundas-feiras que já acordam de mau humor antes mesmo de o despertador tocar, fui surpreendido por uma cena daquelas que valem mais do que o salário do mês (o que, cá entre nós, não é exatamente um elogio à cena, mas um lamento sobre o salário). Estava eu, café na mão e olheiras no rosto, caminhando até a sala do 5º ano A — uma turma que mistura a energia de um bloco de carnaval com a diplomacia de um congresso em crise — quando vejo dois alunos, desses que costumam protagonizar boletins de ocorrência escolares, ajudando um colega a resolver uma lição de matemática. 

Sem alarde. Sem selfie. Sem chamada nas redes sociais. 

Só fizeram.

Não consegui evitar um sorriso, daqueles que a gente tenta esconder para manter a pose de professor durão, mas que escapa pelo canto da boca. “Estão aprendendo alguma coisa”, pensei, aliviado. E não era cálculo de área e perímetro apenas. 

Estamos tão acostumados a medir o sucesso da educação em provas padronizadas, médias bimestrais, gráficos e planilhas que se perdem em números que esquecemos do que realmente importa: formar gente. Seres humanos que sentem, que cuidam, que olham para o outro como quem enxerga um espelho. 

E foi nesse dia que decidi escrever sobre algo que deveria estar nas pautas de todos os conselhos pedagógicos do país, a empatia também se ensina. E pasmem ela é ensinada muitas vezes por meio da literatura. 

Eu sempre acreditei que a leitura é um resgate, não um castigo. Quem foi que falou que ler livros é tortura? Tudo bem, eu reconheço, se você pensar em Machado de Assis, Capitu pode ser mais complicada do que resolver o Enem sem café. Mas não é culpa do Bentinho se a gente leu aos 14 anos como se fosse uma bula de remédio. 

A leitura, quando bem apresentada, é uma ponte de possibilidade. Ela tira o aluno da periferia esquecida e o coloca dentro de um palácio inglês, ao lado de Sherlock Holmes; ou então o faz atravessar desertos ao lado de um menino loiro que cuida de uma rosa e conversa com uma raposa, aprendendo que o essencial é invisível aos olhos, e que cuidar do outro também é cuidar de si. 

Certa vez, propus à minha turma uma leitura coletiva de O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry. Um dos meninos, acostumado mais a videogames do que a verbos conjugados, levantou a mão e perguntou: 

— Professor, esse livro é tipo infantil? 

— É, mas não daquele infantil que subestima. Esse aqui é para criança ler e adulto entender. Vai te fazer pensar… e talvez machucar um pouco. 

Ele riu. Achou que era exagero. Três semanas depois, veio me devolver o livro com os olhos vermelhos e disse, baixinho, como se confessasse um crime: 

— Chorei na parte da raposa… 

Ali estava a vitória. Não era a nota 10 na prova, nem a resposta certa no quadro. Era o menino que nunca falava nada sentindo o que outro sentiu, mesmo que esse outro fosse um personagem de cabelo dourado num planeta minúsculo. Empatia, literatura, educação, tudo junto, no mesmo pacote. 

Essa coluna é lida por pais, gestores, colegas professores e talvez até por algum político que caiu aqui por engano. Então aproveito para dizer: professor também é gente e sendo assim, também sente, chora e se emociona. 

Certa vez, assistindo um vídeo durante uma reunião pedagógica, uma coordenadora falava sobre a necessidade de formar alunos mais humanos. 

E eu pensei: “Sim, mas quem cuida dos humanos que os formam?” 

O Brasil insiste em tratar a educação como gasto, não como investimento. O resultado disso são salas superlotadas, estruturas precárias, salários que mal pagam o aluguel e jornadas de trabalho que caberiam em dois contratos. 

Mas seguimos, professor é uma raça teimosa, além disso sabemos que uma única aula pode mudar o rumo da vida de um aluno. E quando isso acontece, ah… nenhum reajuste de 6% no contracheque supera essa sensação. 

Ensinar a ler o mundo é tão importante quanto ensinar a ler o texto. E as duas coisas, aliás, andam de mãos dadas. 

Quando coloco A Bolsa Amarela, de Lygia Bojunga, na roda de leitura, os alunos arregalam os olhos. “Isso é mesmo uma história de criança, professor?” “Sim”, eu respondo. “ Mas é uma história que fala muito sobre crescer, sobre as dúvidas e as escolhas que todo mundo enfrenta, não importa a idade.” 

A literatura que humaniza é, por essência, política. E quando o aluno entende que os sentimentos e os dilemas dos personagens não são apenas fictícios, mas ecos de sua própria realidade, ele começa a se ver no mundo de uma maneira diferente. É o momento de despertar para o fato de que o que acontece dentro de nós, e ao nosso redor, tem impacto no que somos e como agimos. 

Quer formar cidadãos críticos, combater preconceitos, ensinar empatia. Dê livros e leia junto. 

Eu como professor ensino, mas aprendo muito com meus alunos, e muitas vezes são lições que faculdade nenhuma ensina. Os alunos me ensinam mais sobre empatia do que mil formações pedagógicas. Um dia, alguns alunos da sala do 5º ano me entregaram um bilhete junto com um bombom. O bilhete dizia: 

“Obrigado por nunca gritar com a gente mesmo quando a gente merece.” 

Guardei o bilhete na carteira. Perdi o bombom pra fome da hora do intervalo. Mas a lição ficou. 

A empatia se ensina, sim. Mas, sobretudo, se cultiva. E isso exige tempo, presença, escuta e, claro, livros. Muitos livros. 

Finalizando, antes que me cancelem… 

Se você chegou até aqui, parabéns. No tempo dos vídeos de 15 segundos, ler um texto com mais de mil palavras é um ato revolucionário. E se você é professor, meu abraço. Se é pai ou mãe, meu respeito. E se for um político lendo isso… bom, ainda dá tempo de fazer algo decente pela educação. 

Educar é um ato de esperança, resistência e empatia. 

E sim, ela se ensina, só não espere encontrá-la nas planilhas da secretaria, resultados de provas e avaliações internas e externas. Ela está na entrelinha do texto, na lágrima contida, na mão estendida. E, se você deixar, ela pode começar com uma boa leitura. Ou com um texto de jornal, quem sabe?