Colunas políticas, boa parte das vezes, acabam desaguando no tema criminal e não é por menos, já que a consideração de uma conduta como criminosa advém de uma decisão política, por lei, votada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República.
Para fazer um marketing pessoal, este assunto me é muito caro, pois fiz mestrado no tema de Política criminal, que é a política pública responsável pelo trato do fenômeno criminal em nossa sociedade, cuja dissertação foi publicada pela editora CDS do Rio Grande do Sul: “O que é política criminal transnacional?”.
Voltando, o mesmo ocorre com os tributos: não é o Estado ou o governo que impõe tributos a nós, mas são os próprios representantes do povo, na pele de seus deputados, senadores e vereadores que autorizam esta cobrança politicamente.
Crimes lidam com nossa liberdade; os tributos, com nosso patrimônio. Dois valores muito importantes a todos e que só podem ser invadidos pelo Estado se nós autorizarmos.
Pois bem, neste ponto temos uma grande incoerência da direita brasileira, cuja falta de unidade já tratei em outras colunas: a direita brasileira preza pelo endurecimento do sistema penal, com o aumento de crimes previsto e de penas, mas isso vai na contramão da “liberdade” que entoam.
Outro tema que absorve praticamente todos os esforços políticos atuais é o tema das drogas, ao lado do aborto, ambos temas criminais. Sobre o aborto, já escrevi na coluna de setembro de 2023.
Sem fazer qualquer pesquisa de campo, eu aposto que há mais pessoas na sociedade usando drogas do que fumando cigarros, apesar das drogas serem criminalizadas e o cigarro não.
Por que isso ocorre? Porque há uma campanha maciça, há anos, contra o uso de cigarros. Há placas para todos os lados de “proibido fumar aqui”, as propagandas foram proibidas e os maços de cigarro quase não deixam espaço para a marca devido a tantas advertências estampadas. A diminuição do uso do tabaco é fruto de uma campanha contínua e duradoura.
Quando se criminaliza uma conduta, como a do tráfico ou a do uso de drogas, o Estado apresenta à sociedade uma escusa para não fazer mais nada, já que enviou ao sistema penal (seu sistema mais forte e temido) o trato da questão. Deixa de ser algo social para ser algo de polícia, com a consequência de levar o consumo e a venda para o submundo, carreando a violência e o armamentismo do tráfico para proteger os lucros exorbitantes da conduta arriscada.
Está em curso no STF (Supremo Tribunal Federal) o Recurso Extraordinário 635.659, que está sob repercussão geral pelo Tema 506: “Recurso extraordinário, em que se discute, à luz do art. 5º, X, da Constituição Federal, a compatibilidade, ou não, do art. 28 da Lei 11.343/2006, que tipifica o porte de drogas para consumo pessoal, com os princípios constitucionais da intimidade e da vida privada”.
Explicando, pois o artigo 28 da Lei de Drogas carreia mal-entendimentos até por bacharéis em Direito desavisados.
Este artigo tem a seguinte redação: “Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:”, e as “penas” enumeradas fogem ao padrão do Direito Penal, que é caracterizado pela prisão.
Ou seja, o uso de drogas é um crime, mas não tem penas; hoje é uma conduta criminosa, mas não é uma conduta penalizável. E é isso que o STF, ao ser questionado, está decidindo: se além de ser despenalizado o consumo, se seria descriminalizado.
O placar atual é de 5 a 1 pela descriminalização, o voto divergente é do Ministro Zanin, que foi pelo entendimento de que a vontade da lei é que seja despenalizado e não descriminalizado.
Na queda de braço entre o STF e o Congresso Nacional, o que é algo salutar entre as instituições da República, surge a PEC 45/2023, que visa a criminalizar o porte e a posse de qualquer quantidade de drogas.
É sabido que o sistema penal é notadamente seletivo e que acaba atingindo mais as pessoas pobres e pretas; o resultado dessa PEC seria encarcerar mais jovens de periferia e dar ao sistema penal a chance de abusar de autoridade em face deles.
A nível municipal, o que caberia ao poder público? Políticas públicas para tratamento e conscientização da prejudicialidade social do uso de drogas.
O poder privado tem também sua parcela de participação, em especial a Associação Anti-Alcoólica, que completou 44 anos neste mês, tratando de famílias aqui em Votuporanga. Parabéns!
Bruno Arena: Mestre em Direito Penal e Humanos pela Universidade de Salamanca (Espanha). Especialista em direito penal e direito eleitoral. Presidente do Rotary Club Votuporanga 2022/23. Vice-Presidente da ACILBRAS. Membro do Observatório da Democracia. Proprietário do Cine Votuporanga. Autor e tradutor de livros. Advogado. Instagram @adv.brunoarena.