Nos idos de 2011, enquanto ainda cursava Engenharia Mecânica na USP de São Carlos, eu já guardava um desejo de ingressar na Faculdade de Direito por vários motivos, um deles era a possibilidade que as ciências jurídicas oferecem de entender e atuar melhor no mundo normativo e social em que vivemos, algo mais difícil em uma ciência técnica como a engenharia.
E como todo bom aspirante a jurista, passei a acompanhar os grandes advogados oradores, a admirar o domínio vocabular e cultural de doutrinadores, a assistir sustentações orais no STF (Supremo Tribunal Federal) e a acompanhar os votos dos ministros pela TV Justiça.
Quando iniciei o Bacharelado em Direito, praticamente a totalidade dos estudantes admiravam os ministros do Supremo por estarem no ápice da carreira e pelo seu “notável saber jurídico”.
No entanto, em uma das primeiras aulas de Ciência Política, nosso professor, à época assessor na Câmara dos Deputados, fez a seguinte provocação: “vocês acham que vivemos em uma democracia? Se a resposta foi afirmativa, acham justo que um único ministro do Supremo, por meio de uma ‘canetada’ na calada da noite, possa derrubar uma lei votada por 513 Deputados Federais, 81 Senadores e sancionada pelo Presidente da República? Isso não me parece uma democracia”.
Uma lei tem que passar pelo processo legislativo, previsto no art. 59 e seguintes da Constituição Federal, envolvendo os 513 Deputados, os 81 Senadores e o Presidente da República. Após isso ela entra em vigor e todos somos obrigados a cumpri-la. O que a minoria faz após derrota? Impetram um Mandado de Segurança ou ingressam com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade dizendo que a lei deve ser suspensa por não ter obedecido ao rito legislativo, por estar em desacordo com algum artigo da Constituição ou por qualquer outro motivo.
É possível que um ministro sozinho, então, “dê uma canetada” suspendendo sua vigência.
Ocorre que, esta lei provavelmente levará anos para ser revisitada e até lá já foram gerados inúmeros processos em instâncias inferiores, gerando insegurança jurídica. Dessa forma, o STF está decidindo praticamente todas as questões relevantes do nosso país, agigantando, cada vez mais, seu poder de decisão sobre nossas vidas.
Fato é que a política também tem parcela de culpa nesta situação, pois, se a minoria numérica que perdeu em uma votação não ingressasse com ações no STF pedindo sua atuação, o tribunal não poderia decidir tais questões. Então este vácuo político vem gerando seu protagonismo.
Também é fato que, um tribunal localizado em Brasília e que seja preenchido por indicações políticas de juristas com “notável saber jurídico” (artigo 101 da CF), sofrerá influências.
Vejamos algumas diferenças em relação à Alemanha e aos Estados Unidos. A capital da Alemanha é Berlim, que é sede do Parlamento (Poder Legislativo) e da Presidência da República (Poder Executivo), mas o Tribunal Constitucional fica localizado na cidade de Bonn, a 600 quilômetros da capital, já pensado com o intuito de diminuir as interferências não jurídicas.
Nos Estados Unidos, a Suprema Corte fica em Washington e o votos dos ministros não são divulgados. Publica-se uma decisão desse tribunal como um órgão uno.
O Brasil, infelizmente, misturou esses dois modelos e ainda televisionou os votos, transformando-a em palco político para ministros e advogados, onde convergimos para a atuação do advogado votuporanguense Hery Kattwinkel.
A análise, como toda polêmica, comporta múltiplas faces: como criminalista, por certo lhe faltou uma maior acurácia e ênfase na teoria do delito, pois não se deteve na análise da tipicidade, da imputação, da ilicitude e da culpabilidade; por outro lado, ele e os demais advogados tentaram defender politicamente seus clientes, já que, como já elucidamos, o STF sofre de influências políticas.
Quanto ao ministro Alexandre de Moraes: juízes, advogados e promotores têm o mesmo peso em um processo e é comum em audiências mais tensas haver embates e à medida que vamos subindo as instâncias até Brasília, os embates tendem a ser mais polidos e educados.
Após sustentação oral de um advogado, ser chamado de medíocre e patético sem direito a resposta e em cadeia nacional, parece fugir do profissionalismo e imparcialidade que um juiz deve ter; o mesmo se pode dizer do advogado quando imputou ao ministro sentimentos pessoais em relação ao processo ao se referir às pitadas de ódio. Por certo foram falas desnecessárias de ambos.
Para finalizar, observamos que esse esgarçamento e exposição das relações humanas que perpassam os tribunais superiores enfraquecem a aura de Justiça cega que acreditamos emanar de suas decisões judiciais. O sistema jurídico e a força da lei só têm respeito se a eles formos reverentes sem questionamentos políticos. Sob dúvidas, e com tendência a um empoderamento do Poder Judiciário, talvez tenhamos em breve um novo modelo de Estado e de solução de conflitos.
Bruno Arena: Mestre em Direito Penal e Humanos pela Universidade de Salamanca (Espanha). Especialista em direito penal e direito eleitoral. Presidente do Rotary Club Votuporanga 2022/23. Vice-Presidente da ACILBRAS. Membro do Observatório da Democracia. Proprietário do Cine Votuporanga. Autor e tradutor de livros. Advogado. Instagram @adv.brunoarena.