Direito e Cinema – take 29: Curral: o eleitoral mesmo

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Primeiro longa de ficção de Marcelo Brennand, 'Curral', narra dilemas de um cabo eleitoral durante campanha no interior do país. Foto: CineSet

               Bruno Arena

O município de Gravatá no interior do Pernambuco foi ambiente da corrida eleitoral para os cargos de prefeito e vereador retratada no filme “Curral”, que chegou no último dia 11 de novembro aos cinemas.

O filme foi dirigido por Marcelo Brennand e venceu alguns prêmios, dois deles por conta do ator Thomás Aquino (Chico Caixa e que também esteve presente em “Bacurau”, como Pacote), que no filme foi demitido pelo prefeito Vitorino por estar levando água, sem sua autorização, por caminhão pipa, para seu bairro ironicamente chamado de Caixa d´água.

Sem emprego e com uma massa eleitoral em suas mãos, Chico é convidado para ser cabo eleitoral do seu amigo de infância, Joel, advogado, e que se candidataria ao cargo de vereador. Apresenta-se como força jovem e utilizando a cor amarela da terceira via.

A campanha se inicia e a disputa vai se intensificando ao seu longo: ao baterem de porta em porta, as pessoas pedem emprego e uma oportunidade remunerada para participarem da campanha; começam cadastramentos eleitorais irregulares para compra de voto, utilizando principalmente a água como moeda de troca; showmícios são realizados e até mesmo lugares abandonados da cidade passam a “ser lembrados” por um cartaz de campanha.

Vitorino, prefeito em busca da reeleição, que utiliza seu poder político de controle dos bens públicos, como os caminhões-pipa, para captar votos, nota a ascensão de Joel e busca uma aliança. Caixa então tem que deixar de lado seus princípios para conviver com Vitorino. Isso é o que importa sobre o filme à nossa coluna jurídica de hoje, passemos à análise.

Talvez tenha passado despercebido à população em geral que o período de campanha não é mais de 90 dias, mas sim de 45, sob o argumento de a baratear, mas, com certeza, o mesmo desaviso não ocorreu quanto ao financiamento público das campanhas, o chamado “Fundão”, conferido por lei federal após a proibição da doação por empresas.

Pois bem, para que serve uma campanha eleitoral? É um marketing dos candidatos e de suas propostas para que os eleitores os conheçam, e toda propaganda necessita de dinheiro. Como saberemos se alguém é candidato, qual seu partido, qual seu programa de governo ou por que pautas luta, se não se apresentar à população alguns dias antes da votação? Este período cumpre este papel democrático.

Alguns já estão pensando: “os candidatos só aparecem neste período, sumindo logo após as eleições”. E isso tem um motivo: só é permitido este corpo a corpo, porta em porta, com a população nestes 45 dias que antecedem a votação. Após isso, essa conduta é ilegal e proibida.

E qual a solução para que a população em geral possa ter suas demandas ouvidas pelas autoridades? Localmente, pelos vereadores e prefeitos seria mais fácil, pois convivem no município de sua base eleitoral; pelas autoridades estaduais e federais, devemos esperar seu retorno à região nos dias que não são obrigados a estar em São Paulo ou Brasília: este é o motivo teórico de trabalharem três dias nas capitais, para que reste outros dois para visita suas regiões.

Algo interessante também mostrado no filme é como Chico, apesar do desafeto que tinha pelo prefeito Vitorino, acaba trabalhando com ele e a teoria política para explicar isso é antiga: a ética pessoal e a ética política são distintas! O que quer dizer?

A política em um Estado democrático serve para buscar um consenso mínimo para que a comunidade possa prosseguir em direção a um bem comum (finalidade do Estado). Em tese, mesmo que uma autoridade não goste de alguém por qualquer motivo (ética pessoal), deveria entrar em um acordo com seu adversário se for melhor para a sociedade como um todo. Pensarão consigo que isso é utópico e realmente o é, pois o mais comum é que a ética política se submeta à pessoal, buscando assim os próprios interesses.

Como teoria, todo o exposto aqui vai muito bem. Sabemos que na prática os jogos políticos ocorrem, nem sempre como mostrados em “Curral” em seu mais baixo nível, e a consequência é o descrédito da política, que acaba entrando no rol do que não deve ser discutido, ao lado de futebol e religião. Mas como poderia? Política é diálogo para a vida em sociedade e não deveria estar assim classificada.

Para encerrar, um dos maiores juristas argentinos, Raúl Zaffaroni, em recente livro, diz que o descrédito da política cumpre algumas funções: “por um lado privam os estados do poder de controle territorial, por outro fragmentam seus povos de forma conflituosa e impedem uma ordem minimamente pacífica, dificultando sua coalização politicamente coerente”.

Tenhamos em mente que, os que vivem em sociedade e odeiam a política (confundindo-a com suas mazelas), acabam tendo que obedecer aos ditames e às normas dos que a amam.

Bruno Arena – Advogado, Mestrando em Direito pela Universidade de Salamanca (Espanha).

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