O mês de setembro não é apenas verde – mês da inclusão das pessoas com deficiência – mas também amarelo – em campanha de prevenção ao suicídio. Não há uma data instituída nacionalmente, mas o Brasil segue o 10 de setembro da campanha mundial. Os dados são alarmantes: no Brasil, 32 mortes por dia, no mundo, uma morte a cada 40 segundos! E as pesquisas mostram que nosso país está na contramão do decréscimo mundial, principalmente entre os jovens brasileiros.
Para dizer de uma experiência pessoal de contato com o suicídio, a universidade em que cursei o bacharelado em Direito, a UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), é conhecida pela quantidade de suicídios que ocorrem em suas dependências. É um prédio imponente, localizado ao lado do estádio do Maracanã, com várias passarelas até o último andar. Por ser um prédio aberto à população, quem procura dar fim à própria vida, sobe as rampas e se joga lá de cima. Enquanto estive por lá, foram noticiados vários casos.
Mas o que leva uma pessoa a agir contra instintivamente à própria vida? Extraindo do nosso filme em comentários: “Jéssica – Por que morrer?; Bárbara – Por que não morrer?” e arte cinematográfica, pelo seu poder de síntese, nos apresenta o único problema filosófico sério, como nos disse Camus, citado mais adiante.
Contextualizando o filme, a recente película “Por que você não chora?” é brasileira e lançada em 09 de setembro deste ano de 2021. Conta a história de Jéssica, menina humilde que vai a Brasília para trabalhar e estudar psicologia. Muito reservada, praticamente só tem o contato social de sua irmã mais nova, que mora com ela.
Na disciplina de acompanhamento terapêutico, Jéssica escolhe acompanhar o caso de Bárbara, paciente diagnosticada com o transtorno de personalidade Borderline, caracterizado pela instabilidade emocional. Bárbara busca a melhora psicológica para tentar a guarda de seu filho.
Jéssica acaba transpondo a linha da relação terapêutica, resvalando na amizade com a paciente: a transferência e a contratransferência é sempre perigosa ao terapeuta e devem ser tratadas com muito profissionalismo; a ajuda ao terapeuta vem por outro terapeuta: é regra que estejam sempre em análise pessoal e, como diz a professora de Jéssica: não tem como um cego guiar outro cego.
Porém, pela falta de tempo, Jéssica acaba apenas trabalhando e acompanhando Bárbara, deixando de lado suas próprias terapias. A carga emocional não pode ser suportada e Jéssica acaba se suicidando, na surdina; o silêncio é outra característica deste fato.
Digamos que o fato social do suicídio – melhor seria chamado de “autocídio” –, suscita interesses e abordagens dos mais diversos ramos do saber, para dar alguns exemplos: o livro “O Suicídio” de Durkheim se tornou um dos sustentáculos da sociologia, indo além desse fato como meramente individual, mas também com conexões sociais; na psicanálise freudiana vem atrelado à pulsão de morte; no filosófico, Albert Camus, como dissemos, chegou a afirmar que o único problema sério da filosofia seria o suicídio, uma vez que, se somos fadados à morte, por que continuar vivendo?
Apesar de ser fato social de extrema importância, o Direito não consegue alcançá-lo, pois é da índole das normas jurídicas que castiguem algo já ocorrido, mas como punir o suicídio? Não são alcançáveis nem autor, nem vítima do fato. O que o nosso Código Penal prescreve em seu artigo 122 é a punição para o induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio ou à automutilação. Ou seja, pune-se apenas aquele que auxiliou, incentivou ou colocou na cabeça do suicida a ideia. Vale também lembrar algo da bioética e do direito penal médico, que deixar morrer em seu tempo certo (ortotanásia) não é crime, e postergar a morte (distanásia), também não poderia ser. O que é crime é a sua antecipação (eutanásia).
Assim, se a sanção ao suicida é logicamente impossível, só nos resta a prevenção, daí a importância da campanha de prevenção lembrada pela cor amarela dada ao mês de setembro.
Agir preventivamente não é característica do mundo jurídico, mas sim da sociedade civil privada – empresas e pessoas – e das políticas públicas, que são a razão de ser de qualquer governo.
Há causas mais comuns de autocídio, contra as quais devemos agir: baixa saúde mental; falta de propósito de vida; solidão e cyberbullying. O que poderíamos criar ou ampliar para combatê-las? O disque-suicídio, para que a pessoa possa ter a possibilidade de conversar com alguém no quase-suicídio; espaços seguros de convivência pública, gerando um maior engajamento com a comunidade; propósito de vida pela disponibilização de oportunidades de aprendizado e de trabalho em prol de sua comunidade, o que gera sentimento de pertencimento a algo, por último, educação em diversidade e respeito ao diferente.
Concluindo, ainda há muitos mitos em torno do suicídio como, por exemplo: “o suicida quer chamar atenção”, mas penso que nosso papel como sociedade é tentar erigir um mundo melhor para que essas pessoas não pensem em sair dele. Que possamos dar nossa contribuição.
Bruno Arena – Advogado – Mestrando em Direito pela Universidade de Salamanca (Espanha)
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