Bolsonaro na paulista

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E a pauta da semana continuou manipulada pelos dois polos políticos que se tornaram vórtices das opiniões públicas, das matérias jornalísticas e dos programas alternativas para a sociedade: o Presidente Lula e o ex-Presidente Bolsonaro, que esteve presente na Av. Paulista em São Paulo no último domingo.

O trio elétrico contou com quatro governadores, deputados, senadores e, nos destaques, o pastor Silas Malafaia, que financiou a organização do ato, e a Sra. Michele Bolsonaro. Estima-se, pela ocupação da avenida, que estiveram presentes de 150 a 200 mil pessoas.

No discurso do ex-Presidente, que durou 22 minutos, apresenta sua versão dos fatos pelos quais vem respondendo em inquéritos, sendo o mais grave deles a investigação sobre a tentativa de golpe de Estado que se iniciou em 2022 com a deslegitimação das urnas eletrônicas e que culminou nos atos de 08 de janeiro de 2023, passando por uma minuta de decreto de estado de sítio.

Uma discussão que poucas pessoas estão fazendo, talvez pelo fato de o Direito Penal ser bastante intrincado, é: em qual ato preparatório do crime de tentativa de golpe de Estado passamos realmente a ter uma tentativa de golpe?

No Direito Penal o normal não é que se tenha crimes que sejam tentados em sua natureza, mas sim consumados, e quando a tentativa ocorre, há uma diminuição de pena. Explico.

Por exemplo, o artigo 121 do Código Penal define o homicídio como matar alguém. Posso consumar o delito realmente matando alguém ou tentar matar e, neste caso, eu tentei e não consegui por circunstâncias alheias à vontade do agente e a pena será menor do que se tivesse conseguido.

Mas no caso do golpe de Estado, que foi incluído no Código Penal pela Lei 14.197 de 2021, promulgada no penúltimo ano do governo Bolsonaro, não é possível que se tenha um crime consumado, pois após um golpe de Estado, não haveria mais Estado ou instituições para investigar e julgar aquele crime, por isso se antecipa a punição para a tentativa.

A redação do artigo 359-M do Código Penal é a seguinte: “Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”. Vejam que temos a palavra “tentar”, por isso o crime é de tentativa de golpe de Estado.

Haveria a possibilidade de tentativa de um crime deste tipo? Não.

Assim, por exemplo, quando Bolsonaro pontua que golpe de Estado seria quando os tanques estivessem nas ruas ou somente após a efetivação do decreto do estado de sítio, não é bem assim.

Uma tentativa de golpe não é algo que se arquiteta da noite para o dia, por isso, se todos os fatos estiverem ligados: Abin paralela, minuta de estado de sítio, propaganda contra o TSE e a urna eletrônica, depredação de 8 de janeiro, tentativa de explosão de bomba no aeroporto de Brasília, invasão da Polícia Federal, poder-se-á configurar o crime do art. 359-M, que prevê reclusão de 4 a 12 anos só pra ele e ainda teremos que aguardar os próximos passos.

Já no discurso do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, único dos governadores a falar, foi dito algo mais preocupante: “Bolsonaro não é um CPF, representa um movimento” e eu escrevi algo que esclarece esta constatação em agosto de 2021, quando comentei o livro alemão “Ele está de volta” de Timur Vermes, que tem filme homônimo.

A sátira traz Hitler no século XXI, que passa a ser encarado como um comediante e um ator que não conseguiu sair do personagem, pois parecia difícil encarar com seriedade seu corte de cabelo, bigode, roupas militares e falas violentas depois da década de 30. A graça viraliza no Youtube, ele ganha um programa de televisão para propagar suas ideias e volta à política.

Na cena final, quando Sawatzki percebe que não era um personagem, mas o próprio condutor da nação ariana, vai matá-lo e o diálogo final é primoroso, adequado a todas as épocas e nos põe a pensar nas consequências jurídico-políticas do que foi dito: “Sawatzki: É você…você é ele […] A história está se repetindo. Está enganando as pessoas com seus discursos; Hitler: O povo elegeu um líder, que deixou claro seus planos para todos. Os alemães me elegeram. Então é melhor você culpar também aqueles que elegeram esse monstro […] eram pessoas normais que escolheram eleger alguém diferente para o destino do seu país. O que vai fazer Sawatzki? Impedir as eleições? […] nunca se perguntou por que as pessoas me seguem? Porque no fundo elas são como eu”.

O impactante não para por aí, Sawatzki atira e Hitler cai do prédio, mas reaparece atrás dele dizendo: “Hitler: Você não vai se livrar de mim. Eu sou parte de você, de todos vocês”. Diz que representa uma ideia no povo alemão, e que não basta que seu corpo morra.

Tirem suas próprias conclusões.

Bruno Arena: Mestre em Direito Penal e Humanos pela Universidade de Salamanca (Espanha). Especialista em direito penal e direito eleitoral. Presidente do Rotary Club Votuporanga 2022/23. Vice-Presidente da ACILBRAS. Membro do Observatório da Democracia. Proprietário do Cine Votuporanga.  Autor e tradutor de livros. Advogado. Instagram @adv.brunoarena