Bolsonaro é conservador?

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Quantas vezes, em conversas despretensiosas, e despropositadas, dizemos ou ouvimos alguém dizer: “Este Brasil é fácil de ser consertado, se eu fosse presidente eu explodiria as favelas, mataria todos os criminosos, colocaria muros nas nossas fronteiras, porque o Brasil é rico e não depende de ninguém, fecharia o Congresso e o Supremo, que só atrapalham o presidente trabalhar”, etc. Soluções simples para problemas sociais complexos, que de partida já deveriam gerar desconfiança nos interlocutores.

Bruno Arena

Suponhamos agora que fosse dada uma oportunidade a esta pessoa para que colocasse seu modelo de país e de mundo em prática, algum leitor acha que 203 milhões de brasileiros aceitariam, de bom grado, todas as ideias, sem questionamento? É de se supor que não, e os dissidentes só poderão discordar do líder se tiverem o mínimo de liberdade para isso.

Ora, se há a possibilidade de discordância do “Sebastião salvador da pátria”, abrem-se duas possibilidades: a primeira é que o líder faça um trabalho de convencimento das pessoas de que seu modelo é ótimo para a situação atual do país, a segunda é a de imposição pela força.

A primeira possibilidade não precisa de um líder com ideias revolucionárias, porque é a própria democracia, acessível desde já em nosso sistema; o caminho da segunda opção, a história da humanidade nos mostra que é o da ditadura necessariamente.

Modelos de engenharia social que alterem com grandes guinadas e com cartilhas o modo de vida de uma comunidade inteira, carecem de substrato e de legitimidade social e necessitarão de imposição à força. Por conta disso, o comunismo como modelo ideal de sociedade nunca existiu no mundo. O que há são ditaduras, que podem até perseguir este ideal, mas uma vez que um ditador assume poderes ilimitados, abre-se a porta da corrupção e do abuso, intrínseca à concentração de poder.

Esses exemplos servem para mostrar um dos aspectos do que não é ser conservador: a atitude conservadora não adota grandes “martelos teóricos” a postos para bater em quaisquer pregos das situações reais; não adota teorias de gabinete e totalizantes de mundo com cartilhas de como as pessoas devem viver, pelo contrário, analisa com ceticismo a realidade, olha para a tradição e para o hábito, e realiza modificações políticas pontuais.

A linhagem britânica do conservadorismo tem em Edmund Burke seu grande expoente. O termo surgiu no pós-revolução francesa, onde os revolucionários franceses queriam impor seu modo de vida e cortaram a cabeça do rei, que tinha indicação divina.

Os conservadores não queriam que a França voltasse ao ancién regime monarquista e feudal, estes eram os reacionários, eles achavam que as alterações sociais deveriam ser bem pensadas e sem solavancos, sem grandes guinadas, e direcionadas pela prudência do governante: o bom governante conservador é aquele cuja existência ninguém nota e a comunidade navega em mar de Almirante.

A história mostrou que tinham razão, porque 10 anos após o corte da cabeça do rei, a França vivia nova ditadura, mas com Napoleão Bonaparte.

Os reacionários, no meu ponto de vista, surgem pela soma de alguns fatores: do medo humano das mudanças abruptas; do aumento do risco de se viver em sociedade gerado pela constante inovação; do receio da elite formadora de opinião de perder seus privilégios e da armadilha psicológica de olharmos para o passado como algo nostálgico e sempre melhor do que o presente.

Respondendo ao título do Vespeiro de hoje: o Ex-Presidente Bolsonaro não é conservador.

Vamos lembrar que iniciamos estas colunas na tentativa de melhorar o debate público sobre conceitos políticos, tentando preencher principalmente as “caixas vazias” das ditas direta e esquerda.

Associa-se o conservadorismo à direita bolsonarista, mas o mais correto conceitualmente é o reacionarismo. Puxar o cabo de guerra para um dos lados da guerra cultural – o que no Brasil estamos chamando de pauta de costumes – por meio de grosserias, lives e lacrações, é muito distante da estabilidade das instituições e da prudência defendida pelo conservadorismo: os extremos da polarização não representam qualquer característica de um conservador.

Quem representaria os conservadores então? Os líderes e partidos mais ao centro. Dizer isso no Brasil também se tornou pejorativo, já que falar em “Centrão” nos remete de imediato ao fisiologismo, à desidratação de qualquer governo e à barganha por emendas.

O pêndulo já oscilou aos extremos, quiçá já esteja na hora da polarização da vida e do esfacelamento de famílias diminuir e irmos pelo caminho budista e aristotélico do meio.

Bruno Arena: Mestre em Direito Penal e Humanos pela Universidade de Salamanca (Espanha). Especialista em direito penal e direito eleitoral. Presidente do Rotary Club Votuporanga 2022/23. Vice-Presidente da ACILBRAS. Membro do Observatório da Democracia. Proprietário do Cine Votuporanga. Autor e tradutor de livros. Advogado. Instagram @adv.brunoarena.