Ainda há tempo…

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Foto: Reprodução
Padre Djalma Lúcio Magalhães Tuniz Pároco de Américo de Campos e Pontes Gestal

As luzes voltaram a brilhar, colorindo as praças e as casas. Formam estrelas, anjos, flores, árvores de natal. Algumas ficam acendendo e apagando, num balé entre luzes e trevas, dando a impressão de uma multidão de vaga-lumes voando pelo céu. A casinha do papai-noel está enfeitada com neves falsas que se derretem ao calor escaldante que faz aqui, no lado de baixo do Equador.

As lojas intensificam a venda da felicidade, travestida num embrulho bonito e num presente reduzido a uma lembrancinha. Os tempos não estão fáceis e a intenção é o que realmente importa. As filas, nos mercados, a cada dia aumentam. Há filas para comprar frutas, carnes, espumante “Chuva de Prata” e, depois que o carrinho ficou cheio, há ainda a fila para o caixa. Deveriam vender porções pequenas de paciência nos mercados, com preços baixos para que todos, inclusive os mais necessitados dessa iguaria, pudessem levar para a casa e distribuir para a família depois do jantar.

Depois que a ceia ficou pronta e a mesa farta de coisas boas de ver, mas nem sempre boas de se comer, com bebidas para todos os gostos e com as devidas autorizações médicas, é o momento das lembrancinhas, ops, dos presentes sob a árvores e chega a hora de trocarem abraços, às vezes nem tão apertados, e alguns pequenos discursos, quase sempre exagerados e emocionados.

A ceia termina com algumas pessoas alteradas pela bebida, e outras que não respeitaram as orientações médicas, já sentindo algum efeito colateral daquele salpicão carregado de uvas passas. Acontecem então as despedidas e a promessa de repetirem a dose no próximo ano. “Realmente o Natal foi muito bom”, dizem com pressa de chegarem logo em casa e descansarem.

No dia seguinte, ao acordarem, salvos os que a ressaca não irá deixar sentir outras sensações, a não ser de ver tudo girando no quarto, procuram lembrar os detalhes da noite festiva e precisam comentar no grupo do whatsapp da família o quanto felizes estavam por encontrar a todos. “Feliz Natal!”, desejam uns aos outros. Mas um detalhe importante passa geralmente despercebido. O Menino que nasceu naquela noite não foi lembrado, não recebeu presentes e nem foi convidado para a sua festa de nascimento.

Mas isso não é novidade dos nossos tempos modernos. Não. Há dois mil anos isso também aconteceu. Todos estavam preocupados com os seus afazeres e com as suas vidas e não perceberam uma família que batia à sua porta. Não abriram as suas casas e as suas vidas para que o Menino nascesse ali, bem pertinho da sua família. Não conseguiram aproveitar a grande oportunidade de suas vidas: “acolher o Filho de Deus que resolveu nascer homem”.

Ao se fazer um de nós, Ele não teve o acolhimento que precisava naquela noite fria. Enquanto era Deus no Céu, recebia todos os louvores, os presentes, as orações e os preceitos. Mas quando se tornou Deus na Terra, não foi reconhecido. O seu nascimento foi igual ao de todos. Afinal, seu rosto se parece com o nosso, conhecemos o seu pai e a sua mãe, e a sua fragilidade infantil desconcerta aquele que tenta enxergar o Deus Menino que ali se esconde.

É assim ainda hoje. Gostamos mais das bênçãos e dos sacrifícios. Acreditamos mais no que é distante e não damos crédito ao que é próximo. Precisamos de promessas e acordos com o Sagrado, para podermos realmente sentir a sua presença entre nós. É um erro, mas nossos louvores precisam ser cantados bem alto e com os olhos fechados, pois a nossa voz precisa chegar até o Céu e os nossos olhos não conseguem enxergar nada de espiritual aqui na Terra.

Não compreendemos ainda, dois mil anos depois, que o nosso Deus se humanou, tornou-se carne igual a nossa carne, e se fez um conosco. Não damos crédito para o Emanuel, o Deus conosco, e continuamos a olhar para o Céu, esperando o Salvador, que já chegou.

Talvez seja por isso que a nossas ceias natalinas, na maioria das casas, ainda tenham como centro nós mesmos. Somos capazes de festejar o Natal sem nos importarmos realmente com o que isso significa. Damos presentes entre nós e deixamos de lado o Menino entre nós. E depois continuamos a não nos amar, a não nos perdoar e a não nos ajudar.

Como isso é possível? Também não sei lhe responder. Só sei que é possível fazer diferente. Afinal, em vinte séculos de história, todos os anos, Ele, o Menino Deus, continua nascendo na noite de Natal. Os pais continuam batendo em nossas portas, e não abrimos. Os anjos continuam tocando trombetas e cantando: “Glória a Deus nos mais altos dos Céus. E paz na terra aos homens de boa vontade”, e continuamos não escutando.

Não posso generalizar. Sei que muitas famílias irão rezar antes da ceia. Irão participar da missa da Noite de Natal e irão, em comunidade, entoar o canto do “Glória”. Também sei que o “Noite Feliz” será cantado com emoção e gratidão a Deus pelo Filho, tão pequenino e precisando de cuidados, já presente neste mundo.

Sei que muitos irão ajudar as famílias mais necessitadas e vão procurar o padre para preparar o coração, com uma boa confissão. Deixando assim uma família desprovida, mais feliz, e o coração envolto às trevas, mais iluminado.

Ainda temos tempo de preparar a ceia, comprar os presentes, arrumar a casa, para a grande Noite, mas também ainda temos tempo de ver o horário da Missa de Natal da paróquia e, juntos com os irmãos de comunidade, dizer em alta voz: Maranata, vem Senhor Jesus, e seja colhido por nós junto com a Família de Nazaré, José e Maria.

Peçamos ao Senhor que não desista de nascer em nosso meio. Se ainda não foi acolhido como deveria, que Ele não desista de nós. Nasça novamente no próximo ano. E que a Vossa paciência seja eterna como é o Vosso imenso amor.