Acampados do Vale do Amanhecer pregam luta por direitos e repudiam descaso governamental 

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Acampados do Vale do Amanhecer pregam luta por direitos e repudiam descaso governamental – Foto: Reprodução

Aproximadamente 250 pessoas marcaram presença no ato realizado na Câmara Municipal de Votuporanga; uma mostra de produtos cultivados ou confeccionados pelos acampados foi realizada.


Jorge Honorio 
jorgehonoriojornalista@gmail.com

Aproximadamente 250 pessoas, acampados no Vale do Amanhecer e em outros lugares da região, incluindo crianças e idosos, lotaram o plenário da Câmara Municipal de Votuporanga/SP, na tarde desta sexta-feira (30.mai), contra a ameaça de despejo forçado do local que ocupam às margens da estrada vicinal José Pinto Sobral, que liga Álvares Florence/SP à Américo de Campos/SP.

O acampamento existe há mais de uma década com foco nas terras da ‘Fazenda dos Ingleses’. Contudo, a burocracia e a falta de interesse governamental têm não só procrastinado uma decisão sobre o tema, como também mantido famílias em risco à beira de uma rodovia.

Com discursos emocionados e com a promessa de luta por direitos, os acampados vivem à espera de uma decisão favorável, uma vez que, a Prefeitura de Álvares Florence/SP pediu na Justiça que a área fosse desocupada. O processo tramita no Fórum de Votuporanga.

O ato ordeiro e pacífico contou com uma mostra de produtos cultivados ou confeccionados pelos acampados, sendo iniciado como a execução do Hino Nacional do Brasil. Entre um discurso e outro, coro e palavras de ordem foram entoados, como por exemplo: “Não tem conversa, nem enrolação: Reforma Agrária é obrigação!”

Contudo, a ausência das lideranças convidadas para o ato, como por exemplo: ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira; o presidente nacional do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), César Aldrighi; diretora do Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Agrários, Claudia Dadico; superintendente regional do Incra/SP, Sabrina Diniz, foi entendido como desrespeito pelos acampados que há mais de uma década esperam por um posicionamento.

Das lideranças presentes, coube ao servidor de carreira do Incra, Dimas Tavares, levar para as esferas superiores um documento intitulado Nota de Repúdio ao Descaso do Governo Federal com as Famílias do Acampamento Vale do Amanhecer.

Em um trecho do documento os acampados são categóricos: “A ausência dessas autoridades máximas, em um evento de tamanha relevância social, não é apenas um gesto de desprezo institucional, mas um claro ato de omissão diante de uma grave violação dos direitos humanos. Essas famílias, compostas majoritariamente por trabalhadoras e trabalhadores da agricultura familiar, estão à margem das políticas públicas e sobrevivem sem dignidade em meio à precariedade e agora são ameaçadas de remoção, sem qualquer garantia de realocação ou assistência mínima.”

“Essa postura fere frontalmente a Constituição Federal de 1988, que, em seu art. 1º, inciso III, estabelece como fundamento da República a dignidade da pessoa humana; e em seu art. 6º, reconhece como direitos sociais a moradia, a alimentação, o trabalho e a segurança. O art. 5º, inciso XXIII, afirma que “a propriedade atenderá a sua função social”, legitimando o uso coletivo e produtivo da terra – como ocorre hoje no acampamento. Além disso, o art. 184 determina que “compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social”. Portanto, o papel do Estado não é expulsar os trabalhadores do campo, mas regularizar, apoiar e fortalecer essas iniciativas, como parte de sua obrigação constitucional”, prossegue.

Por fim, após discutidas as pautas do encontro: reintegração de posse/despejo de mais de 400 famílias; parecer do estudo da cadeia dominial e áreas para as famílias do acampamento; ficou decidido que uma assembleia definirá uma marcha até o Fórum de Votuporanga, em breve.

O advogado Eduardo Cunha, da Comissão Pastoral da Terra Regional São Paulo (CPT-SP), reconheceu a situação de risco das famílias e pediu celeridade na resolução: “É uma área que acreditamos ser pública, e caso não fosse, o governo poderia adquiri-la e distribuir, existem meios para tanto. Por outro lado, não se pode falar em desocupação, em expulsar famílias inteiras daquele lugar, sem o cumprimento do papel do estado, ou seja, para onde todas essas famílias irão? É preciso que se preze pela dignidade humana.”

O ato foi encerrado ao som de ‘Pra não dizer que não falei das flores’, de Geraldo Vandré, entoado pelos acampados.

Relembre

Em julho do ano passado, o Acampamento Vale do Amanhecer se tornou notícia na imprensa regional após dezenas de manifestantes seguiram em caminhada pacífica, carregando cartazes e entoando palavras de ordem contra a reintegração de posse da área do acampamento.

O estopim para o protesto foi a informação de que a Prefeitura de Álvares Florence teria pedido a desapropriação do acampamento, uma vez que, dias antes, moradores teriam sido notificados para que fizessem a limpeza e retirassem os materiais das barracas que estavam desocupadas. A manifestação foi acompanhada pela Polícia Militar e não houve informações sobre qualquer confronto ou desordem.

Segundo apurado, a ‘Fazenda dos Ingleses’ foi dada em concessão a uma companhia por 100 anos, contudo, o prazo venceu em 1996. Desde então a posse retornou à união, ou seja, ao governo federal. O movimento explica que a terra vem sendo alvo de grileiros, que são apoiados pelos prefeitos das cidades cujas terras fazem limite com a fazenda.