Para aqueles do atual governo federal de centro-esquerda que já acharam que as discussões políticas da década passada com o antigo PSDB eram entediantes e que giravam sempre no entorno de Estado mínimo, privatizações, sucateamento da máquina pública para vender os bens públicos aos amigos, liberalismo, aumento das diferenças sociais, etc., não esperava que a discussão poderia descambar para algo bem pior: o lema fascista “Deus, pátria e família”.
O texto de hoje é um ensaio opinativo que busca tatear os motivos do negacionismo e das fake News na política dos tempos contemporâneos.
A política e os políticos do contexto democrático, embora muito desgastados nos últimos 10 anos, servem para orquestrar os esforços coletivos visando ao bem comum; a política surgiu assim na história e há filósofos como o francês Gilles Deleuze que dizem que até mesmo a forma de Estado como instituição já estava presente desde as primeiras agremiações humanas; não discordo.
Penso que às pessoas importa a solução para seus problemas naquilo que compete ao poder público: amparo em caso de desastres como o da Covid-19 e enchentes no Rio Grande do Sul; e criação de oportunidades, principalmente as econômicas, em tempos normais.
A tríade do lema encampada pela extrema direita atual não é capaz de fornecer as respostas políticas e pragmáticas que são necessárias à gerência da coisa pública e se encontra em pleno descompasso com a realidade. A tendência é que vá se retraindo e se restrinja aos 5% de radicais que sempre existem em quaisquer países.
Como dar uma resposta emocional – pois o fascismo se trata disso – a algo que deve ser resolvido com trabalho, dinheiro, negociações e políticas públicas? Quem está debaixo d´água ou, nos tempos da pandemia, com um familiar entubado, estaria mesmo a fim de discutir família tradicional, kit gay, STF, liberdade de expressão, ditadura no Brasil e Deus na política? Parece-me uma assincronia com os reais problemas da humanidade.
Vejamos o espaço político ocupado pela frente democrática que governa o país, com um espectro da centro-esquerda até, em alguns ministérios, à centro-direita liberal. Não se pode dizer que há uma polarização da extrema direita com a extrema esquerda, já que esta não existe. Bem como seria impensável uma extrema direita moderada, pois sua base emocional não permitiria tal oxímoro.
Qual espaço resta então a ser ocupado politicamente? Quase nenhum, então deve-se fulminar o próprio ponto de partido de qualquer discussão: os próprios fatos, o que estou chamando de polarização dos fatos.
Para que possamos decidir se devemos pegar a estrada da esquerda ou a da direita para chegarmos a algum destino, temos que partir do pressuposto lógico de que a estrada existe. Se aparece alguém com algum vídeo viralizado dizendo que a estrada nunca existiu e com isso atrair um enxame de pessoas pela desgraça e pelo caos, que engajam muito mais do que as boas notícias, há uma ruptura no consenso mínimo democrático de partida.
Perguntado esta semana sobre as fake News no Congresso Nacional, o Presidente da Câmara Arthur Lira disse que não poderia tolher um parlamentar de se expressar. Mas nem é este o problema, o mais angustiante é que se está transbordando das redes sociais as montagens com inteligência artificial (o que é chamado por alguns de burrice natural) e reverberando em espaços oficiais.
O modelo pendular de explicação dos movimentos teóricos ao longo da história está em várias ciências como na Literatura, no Direito e na Filosofia. Na Literatura: Barroco, Arcadismo, Romantismo, Realismo e segue. No Direito Penal: clássico, neoclássico, finalismo, funcionalismo. Na Filosofia, vamos pinçar o Cru e o Cozido de Lévi-Strauss.
Algo tinham em comum, que há uma realidade ontológica a ser observada, apesar de ora penderem aos valores e ao subjetivismo e ora a uma base mais firme e concreta, sem tantos juízos de valor. Mas, nos tempos atuais, desrespeita-se até mesmo a base fática, politizando-a e a polarizando. Vilipendia-se até mesmo o mundo do ser, sendo quase impossível uma discussão racional no campo do dever-ser.
No nosso país, a necessidade de combate à política de cariz ditatorial da extrema direita, fez unir novamente o Presidente Lula e o Vice-Presidente Alckmin nas eleições de 2022. Segundo Alckmin: “as ditaduras tiram a liberdade em nome do pão. Não dão o pão que prometeram e nem devolvem a liberdade. Eu sou um democrata por convicção”. Sem retoques.
Bruno Arena: Mestre em Direito Penal e Humanos pela Universidade de Salamanca (Espanha). Especialista em direito penal e direito eleitoral. Presidente do Rotary Club Votuporanga 2022/23. Vice-Presidente da ACILBRAS. Membro do Observatório da Democracia. Proprietário do Cine Votuporanga. Autor e tradutor de livros. Advogado. Instagram @adv.brunoarena.